O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um dos transtornos neuropsiquiátricos mais comuns na infância e adolescência, que frequentemente persiste na vida adulta. Embora tradicionalmente associado a crianças, estudos mostram que muitos adultos continuam a apresentar sintomas significativos e incapacitantes de TDAH. Este texto fornece uma visão sobre a epidemiologia, características clínicas, avaliação, diagnóstico e tratamento do TDAH em adultos, com base nas últimas evidências disponíveis.
Epidemiologia
O TDAH em adultos tem uma prevalência estimada entre 2,5% e 4,4% globalmente, com variações dependendo do país e dos métodos de diagnóstico utilizados. Estudos indicam que aproximadamente 40% a 60% dos casos diagnosticados na infância persistem na vida adulta. Além disso, um número significativo de adultos é diagnosticado pela primeira vez, sem histórico claro de TDAH na infância. A prevalência do TDAH em adultos tende a ser maior em países de alta renda comparado a países de baixa renda.
Características Clínicas
Os adultos com TDAH frequentemente apresentam sintomas de desatenção, impulsividade e inquietação, que podem levar a déficits significativos na função executiva, regulação emocional e desempenho ocupacional e social.
- Desatenção: Problemas para manter o foco, dificuldades em organizar tarefas, esquecer compromissos e desorganização geral são comuns. Muitos adultos relatam que só conseguem finalizar tarefas no último minuto, se é que as completam.
- Impulsividade: Manifesta-se como tomadas de decisões precipitadas, interromper os outros durante conversas e agir sem considerar as consequências. A impulsividade pode levar a decisões prejudiciais, como terminar relacionamentos ou deixar empregos abruptamente.
- Hiperatividade/Inquietação: Embora menos evidente do que em crianças, a hiperatividade em adultos pode se manifestar como uma sensação constante de inquietação ou dificuldade em relaxar. Muitas vezes, esses indivíduos falam demais ou interrompem os outros.
- Disfunção Executiva: Deficiências na memória de trabalho, na transição entre tarefas e na organização são comuns. Essas dificuldades contribuem para a desatenção e outros sintomas de TDAH em adultos.
Avaliação e Diagnóstico
A avaliação do TDAH em adultos é realizada pela entrevista clínica; ferramentas estruturadas e testes neuropsicológicos são indicados em casos específicos. A utilização dos critérios do DSM-5 é essencial, que exige a presença de sintomas de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interferem no funcionamento diário e que estavam presentes antes dos 12 anos de idade.
Critérios Diagnósticos (DSM-5)
Desatenção: Pelo menos cinco dos seguintes sintomas, persistentes por pelo menos seis meses:
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- Erros por Descuido: frequentemente cometer erros por falta de atenção a detalhes, resultando em trabalhos imprecisos.
- Dificuldade de Manter a Atenção: Há uma dificuldade constante em manter o foco em tarefas ou atividades, como durante reuniões, conversas ou leituras prolongadas.
- Parecer Não Escutar: Muitas vezes, parecem não escutar quando alguém fala diretamente com eles, parecendo distraídos, mesmo sem uma razão óbvia.
- Não Seguir Instruções: Frequentemente, não conseguem completar tarefas porque perdem o foco e o rumo, começando projetos sem terminá-los.
- Dificuldade de Organização: Enfrentam problemas significativos para organizar tarefas e atividades, resultando em trabalhos desorganizados, má gestão do tempo e dificuldade em cumprir prazos.
- Evitar Esforço Mental Prolongado: Tendem a evitar ou relutam em se engajar em atividades que exigem esforço mental prolongado, como preparar relatórios ou revisar trabalhos longos.
- Perder Objetos Necessários: Frequentemente perdem itens essenciais para suas atividades diárias, como documentos, chaves, óculos ou celulares.
- Facilmente Distraído: São facilmente distraídos por estímulos externos ou por pensamentos não relacionados.
- Esquecimento das Atividades Cotidianas: Frequentemente esquecem de realizar tarefas diárias, como pagar contas, retornar ligações ou manter compromissos agendados.
Esses sintomas podem impactar significativamente a vida profissional e pessoal dos adultos, dificultando a realização de atividades diárias e o cumprimento de responsabilidades.
Hiperatividade e Impulsividade: Pelo menos cinco dos seguintes sintomas, persistentes por pelo menos seis meses:
- Inquietação Física: Frequentemente remexem ou batucam as mãos e os pés ou se contorcem na cadeira.
- Dificuldade em Permanecer Sentado: Levantam-se frequentemente em situações onde é esperado que permaneçam sentados, como em reuniões ou no escritório.
- Sensação de Inquietude: Embora não corram ou subam em coisas como as crianças, adultos podem sentir uma inquietação constante.
- Incapacidade de Relaxar: Têm dificuldade em brincar ou se envolver em atividades de lazer de maneira calma.
- Agitação Constante: Agem como se estivessem “com o motor ligado”, sentindo desconforto ao ficar parados por muito tempo, sendo percebidos como inquietos por outros.
- Falar Demais: Falam excessivamente, muitas vezes sem perceber.
- Interrupções Frequentes: Deixam escapar respostas antes que a pergunta seja concluída, terminando frases dos outros ou não conseguindo esperar sua vez de falar.
- Dificuldade para Esperar: Têm problemas para esperar a sua vez em situações como filas.
- Interrupções e Intromissões: Frequentemente interrompem ou se intrometem nas conversas e atividades dos outros, podendo usar as coisas alheias sem permissão e assumir o controle de situações.
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial do TDAH em adultos é essencial para garantir que os sintomas não sejam atribuídos incorretamente a outras condições psiquiátricas ou médicas. Alguns transtornos que podem se sobrepor ao TDAH incluem:
- Transtornos de Humor: Transtornos como a depressão e o transtorno bipolar compartilham sintomas com o TDAH, como problemas de concentração e impulsividade. No entanto, a depressão tende a ser episódica e associada a sentimentos de tristeza profunda e anedonia, enquanto o transtorno bipolar apresenta episódios de mania com sintomas de grandiosidade, redução da necessidade de sono e comportamento imprudente.
- Transtornos de Ansiedade: Os transtornos de ansiedade, como o transtorno de ansiedade generalizada e o transtorno obsessivo-compulsivo, podem causar distração e dificuldades de concentração. No entanto, esses sintomas geralmente estão relacionados a preocupações específicas ou pensamentos obsessivos, diferentemente da distração mais global observada no TDAH.
- Transtornos por Uso de Substâncias (TUS): O uso de substâncias pode mimetizar sintomas de TDAH, como hiperatividade e impulsividade. A distinção pode ser feita observando a cronologia dos sintomas em relação ao uso de substâncias e avaliando períodos de abstinência.
- Transtornos de Personalidade: Transtornos como o transtorno de personalidade borderline podem apresentar impulsividade e instabilidade emocional, mas esses sintomas são frequentemente associados a padrões persistentes de comportamento e relacionamentos disfuncionais.
- Distúrbios do Sono: Condições como a apneia do sono e a insônia podem causar fadiga diurna e dificuldades de concentração, imitando sintomas de TDAH. Avaliações de sono podem ajudar a diferenciar essas condições.
Comorbidades
Adultos com TDAH frequentemente apresentam comorbidades psiquiátricas, como transtornos de humor, transtornos de ansiedade e transtornos por uso de substâncias. A presença dessas comorbidades aumenta a complexidade do diagnóstico e tratamento e pode exacerbar os sintomas de TDAH. A comorbidade com transtornos de humor, como depressão e transtorno bipolar, é particularmente comum, com estudos mostrando riscos relativos elevados para essas condições em adultos com TDAH.
Tratamento
O manejo do TDAH em adultos inclui uma combinação de farmacoterapia e intervenções psicossociais.
Farmacoterapia
- Estimulantes: Medicamentos como o metilfenidato e a lisdexanfetamina são os mais utilizados e eficazes no tratamento do TDAH em adultos. Eles agem aumentando os níveis de dopamina e noradrenalina no cérebro, melhorando a atenção e reduzindo a impulsividade e a hiperatividade. Os estimulantes podem ser de ação curta ou prolongada, e a escolha do tipo depende das necessidades individuais do paciente e da resposta ao tratamento.
- Não-Estimulantes: Alternativas como a atomoxetina, que é um inibidor seletivo da recaptação de noradrenalina, e antidepressivos tricíclicos, que podem ser usados em casos onde os estimulantes não são eficazes ou são contraindicados. A atomoxetina é particularmente útil em pacientes com história de abuso de substâncias, onde o risco de uso indevido de estimulantes é uma preocupação.
- Outras Opções: Clonidina que é agonista alfa-2-adrenérgico, também podem ser considerada, especialmente em pacientes com comorbidades como transtornos de ansiedade. Esses medicamentos podem ajudar a reduzir a impulsividade e a agressividade, além de melhorar a qualidade do sono.
Intervenções Psicossociais
- Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC é eficaz para ajudar os adultos a desenvolver habilidades de organização, gerenciamento de tempo e controle de impulsos. Além disso, a TCC pode ajudar a tratar comorbidades como depressão e ansiedade. Técnicas de TCC podem incluir o estabelecimento de rotinas diárias, uso de planejadores e lembretes, e estratégias para melhorar a motivação e o foco.
- Mentoria e Apoio Psicossocial: Programas de mentoria podem fornecer apoio estruturado e orientação para ajudar os indivíduos a alcançar seus objetivos pessoais e profissionais. Podem ser particularmente úteis em ajudar os adultos com TDAH a desenvolver estratégias de enfrentamento personalizadas e a implementar mudanças comportamentais duradouras. Abaixo deixo a indicação de mentoria de minha confiança.
Educação e Suporte
- Educação do Paciente: Informar os pacientes sobre a natureza do TDAH, suas manifestações e o impacto no funcionamento diário é crucial para o manejo eficaz. Grupos de apoio e recursos educacionais podem ser benéficos. A educação contínua ajuda a reduzir o estigma associado ao TDAH e a melhorar a adesão ao tratamento.
- Suporte Familiar: Envolver a família no tratamento pode melhorar o suporte ao paciente e ajudar a criar um ambiente doméstico mais estruturado e compreensivo. A psicoeducação familiar pode fornecer às famílias as ferramentas necessárias para apoiar efetivamente seus entes queridos com TDAH.
Conclusão
O TDAH em adultos é um transtorno crônico que pode causar impactos significativos na vida pessoal e profissional dos indivíduos afetados. O reconhecimento adequado dos sintomas, avaliação cuidadosa e um plano de tratamento abrangente que inclui tanto intervenções farmacológicas quanto psicossociais são fundamentais para o manejo eficaz do TDAH em adultos. Com o tratamento adequado, muitos adultos com TDAH podem alcançar um funcionamento significativamente melhor e uma melhor qualidade de vida.
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